segunda-feira, 15 de setembro de 2008

>>> KOMBI EM FOCO

Matéria publicada em Março de 2007, na revista alemã DER SPIEGEL, contando um pouco da paixão mundial por este veículo
No dia em que seriam entregues os Oscars de 2007, a revista Hollywood Reporter circulou com um anúncio para o filme Cars, uma animação do estúdio Pixar. Mas em lugar de destacar os modelos mais sofisticados que fazem parte do elenco do filme, como Ferraris e Porsches, o anúncio trazia a imagem de uma Volkswagen Kombi, pintada à maneira hippie e chamada Fillmore.

O ícone da era dos hippies voltou com tudo. As telas nunca estiveram ocupadas por tantas Kombis. Além de Cars, elas estão em Little Miss Sunshine, no qual uma famíla de seis pessoas percorre os Estados Unidos a bordo de uma; em Diamante de Sangue, com Leonardo DiCaprio acelerando pelas ruas em um modelo azul e branco; e em Goodbye Bafana, uma drama penitenciário no qual Nelson Mandela (interpretado por Dennis Haysbert) tem assento reservado em uma Kombi.


A Kombi, cuja produção começou 58 anos atrás na fábrica da Volkswagen em Wolfsburg, Alemanha, está passando por um renascimento também na televisão. Um modelo vermelho estrela um anúncio do McDonald's, e o programa de culinária Naked Chef leva o cozinheiro Jamie Oliver estrada afora a bordo de uma versão do furgão hippie produzido na Alemanha, que ele usa para transportar os seus ingredientes culinários.

Como é que uma catástrofe aerodinâmica com péssimo consumo de combustível e nível ruído perigosamente elevado está sendo celebrada como se fosse a mais nova sensação nos salões de automóveis? Como é que o furgão da Volkswagen pode ser percebido como veículo que não prejudica ao meio ambiente quando, de fato, a verdade é exatamente o oposto? Em Cars, a Kombi chega a dar uma lição de moral em um carro de corrida, e oferece a ele uma dose de biocombustível feito em casa.

A indústria cinematográfica evidentemente desfruta de um relacionamento especial com a Kombi, veículo que permite a diretores jovens, e de bolsos perpetuamente vazios, transportar suas equipes aos locais de filmagem. Mas mesmo depois que esses diretores começam a fazer sucesso, eles se mantêm fiéis ao furgão. Lars von Trier, diretor de Dogville e Breaking the Waves, dirigiu da Dinamarca até Cannes em uma Kombi. O diretor austríaco desfilou pela Croisette, em Cannes, com a sua, despejando fumaça de escapamento sobre o sofisticado público e suas limusines.

Da revolução ao consumismo
A Kombi, conhecida originalmente como Volkswagen tipo 2, tem um longo retrospecto como plataforma móvel para protestos. Alice's Restaurant Massacre, uma canção de protesto composta pelo cantor folk Arlo Guthrie em 1967, incluía em sua letra uma Kombi vermelha cujos passageiros tomam nas mãos "pás, ancinhos e instrumentos de destruição e partem para o depósito de lixo da cidade". Guthrie não poderia imaginar que um dia uma Kombi vermelha seria usada para anunciar hambúrgueres e fritas, e outros produtos alimentícios. Será assim que todo metal envelhece - de carro de corrida da revolução a furgão de entrega do consumismo?

A Kombi foi desenvolvida com base no famoso sedã Volkswagen, o Fusca, e foi produzida em sua forma original até 1979. No final dos anos 60, se tornou uma alternativa evidente ao carro de família. Era o veículo perfeito para que irmãos e irmãs unidos no espírito do movimento se deslocassem estrada afora.

Em Das Wilde Leben (a vida louca), um novo filme alemão, Natalia Avelon interpreta Uschi Obermeier, um ícone do sexo que abandonou a vida tacanha de sua cidadezinha na Baviera e saiu para conquistar o mundo, nos anos 60. E assim que ela chega à estrada e se prepara para pedir carona, uma Kombi psicodélica pára e a transporta para uma comuna em Berlim.

Passados 40 anos, se tornou claro que famílias eletivas não funcionam tão bem quanto era esperado. O que domina hoje em dia é o oposto ¿o desejo de salvar o que quer que reste da família real de alguém. Assim, Little Miss Sunshine, filme de Jonathan Dayton e Valerie Faris, serve perfeitamente ao espírito da era: mostra membros de uma grande e problemática família viajando em uma Kombi que se despedaça gradativamente. É só quando todos precisam sair para empurrá-la que eles compreendem o quanto podem realizar juntos.

Como nenhum outro veículo, a Kombi se tornou símbolo da globalização. Aventureiros percorreram todo o planeta com esse tipo de veículo já nos anos 70, e narraram suas peripécias em longos livros. Hoje, a Kombi só parece adequada para viagens no tempo. Eric T. Hansen, nascido no Havaí, usou uma Kombi para percorrer as cidades medievais da Alemanha uma a uma, dormindo em um colchão de palha e vivendo de sopa, enquanto acompanhava a trilha dos nibelungos pesquisando para seu livro Driving Through the Dark Ages dirigindo pela era das trevas, publicado em 2004.

Por isso, não surpreende que os dedicados fãs da Kombi evoquem constantemente o seu poder de transcender o espaço e o tempo. "Quando viajamos em nossa tão confiável perua, mesmo que por apenas um prazo curto, uma realidade nova e diferente ganha vida, para nós... uma realidade que envolve movimento, cheiros exóticos e novas experiências", escreveram os autores de Ao Redor do Mundo em uma Kombi, um clássico guia de viagem alemão da década de 70, elogiando o seu meio de transporte preferencial. "Nós aprendemos a amar aquela caixa metálica".

* tradução: Paulo Eduardo Migliacci

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