Kombi completa 56 anos de produção no Brasil e sai de cena em definitivo
Como se constrói um ícone? Uma pergunta simples como essa pode gerar horas de discussão entre especialistas. Em qualquer área cultural um ícone não depende da vontade de seus criadores, mas sim da assimilação do público, da capacidade das pessoas de gerar um vínculo emocional com o símbolo em questão. Quando temos afinidade com um objeto, um filme, uma revista ou qualquer outra coisa que mantenha nossa memória ativa, levamos conosco para o resto de nossas vidas, chegando até mesmo a passar como herança para os filhos, perdurando, assim, por muito mais tempo, a imagem daquilo que nos conforta e traz boas lembranças.
Para os brasileiros, nada melhor para exemplificar essa paixão do que o automóvel, a preferência nacional quando se trata de mobilidade e vínculo afetivo. E um dos ícones mais importantes do Brasil comemorou no final de 2013 seu 56º aniversário de produção em território nacional: a saudosa KOMBI. Desde que foi idealizada há mais de 60 anos, na Alemanha, a Kombi mantém viva sua chama, seja nas mãos de colecionadores, no transporte de cargas leves, no transporte escolar, no serviço militar, na função de ambulância e uma infinidade de outras utilidades que não caberiam em uma única matéria.
Origem
A Kombi surgiu de alguns desenhos feitos pelo empresário holandês Ben Pon em 1947, que, durante uma visita às instalações da Volkswagen, na Alemanha, sugeriu um veículo leve para pequenas cargas que tivesse manutenção barata e fosse resistente. Como a família do Sr. Pon foi uma das primeiras a vender veículos da marca fora do país germânico, decidiram colocar o projeto em andamento.
Em 1948 os primeiros protótipos do utilitário – conhecido internamente como Tipo 2 –, baseados na plataforma do Fusca (Tipo 1), eram testados e apresentados ao novo diretor da fábrica de Wolfsburg, Heinz Nordhoff , que deu sinal verde para a produção em série. Em novembro de 1949, as primeiras unidades desceram a rampa da fábrica e marcaram oficialmente o lançamento do Transporter, como foi denominado.
Um ano depois, desembarcava no Brasil, através do Grupo Brasmotor, um lote desses utilitários conhecidos na Alemanha como Kombinationsfahrzeug ( "veículo combinado" ou "veículo multiuso", em uma tradução livre), já que era possível conciliar o uso para trabalho e passeio com apenas a retirada dos bancos traseiros, facilitando a vida das (numerosas) famílias da época. Obviamente o nome dificultava um pouco a assimilação pela população, e a abreviação para apenas “KOMBI” se fez necessária e se mostrou acertada. Em 1953, com a demanda pelo modelo aumentando, a Brasmotor iniciou a montagem da Kombi no Brasil em regime CKD (do inglês Completely Knocked Down), ou seja, as peças importadas vinham desmontadas em caixas e todo o trabalho de montagem e regulagem era feito dentro das dependências da empresa. Como a procura foi grande e o sucesso iminente, eis que em junho de 1957, já com um desenho ligeiramente diferente e atualizado, a Volkswagen inicia a produção da Kombi na primeira filial da marca fora da Alemanha, em São Bernardo do Campo (SP), onde foi produzida de forma quase artesanal ininterruptamente até o final do ano passado.
Evolução da Kombi
Desde que chegou ao Brasil a Kombi ganhou as ruas e o coração dos brasileiros, o que fez a Volkswagen lançar inúmeras versões ainda nos primeiros anos, como Furgão, Luxo, Standard, Turismo, Picape (em 1967), Ambulância e a versão 6 portas muito utilizada para o serviço de táxi. A Kombi também foi o primeiro veículo nacional a trazer uma caixa de câmbio com a 1ª marcha sincronizada em 1961. No mesmo ano, as setas de direção conhecidas como “bananinhas” foram aposentadas por exigência do Contran e substituídas por luzes intermitentes na dianteira (o famoso pisca "tetinha") e na traseira, novas lanternas; e também marcador de combustível no painel. Em 1963, os piscas mudaram novamente e a Kombi ganhou vidros curvos nas laterais traseiras. Quatro anos depois, o motor 1.200 foi substituído pelo 1.500, o sistema elétrico de 12 volts aposentou o antigo de 6 volts, além dos novos parachoques e bancos dianteiros individuais.
Em 1976 a Kombi recebeu a primeira grande reestilização, com nova frente (parabrisa único), novas lanternas e parachoques redesenhados, aproximando-se do modelo vendido em outros países. Na época, a Volkswagen pensou em adaptar a porta de correr (que em 1967 passou a equipar o modelo vendido na Europa), mas por questões de custo, decidiu manter a antiga porta lateral traseira em duas folhas, criando assim, um modelo único no mundo. Em 1978, juntas homocinéticas na traseira e motor 1.600 de dupla carburação passaram a equipar as versões existentes. Com a chegada da década de 80 e o preço do combustível nas alturas, a Volkswagen apresentou a Kombi na versão diesel, com motor 1.500 tipo exportação refrigerado a água, trazendo um grande radiador na dianteira. Em 1982, o lançamento do modelo picape com cabine dupla teve grande repercussão, mas em 1985 todas as versões a diesel foram descontinuadas por problemas mecânicos, dando lugar aos modelos equipados com motores a álcool.
A Kombi seguiu sem grandes mudanças até 1997, quando finalmente ganhou as portas laterais traseiras corrediças e o teto mais alto, além de trazer novamente no catálogo um modelo mais luxuoso, denominado Carat. Em 2006, devido às novas leis de emissões de poluentes, o tradicional motor boxer refrigerado a ar foi colocado em xeque, obrigando a Volkswagen a fazer mais uma mudança significativa, disponibilizando a Kombi com o motor 1.4 tipo exportação, culminando também numa rápida reestilização, similar ao modelo que foi produzido no México até meados da década de 90. Essa mudança foi selada com o lançamento de 200 unidades do modelo Série Prata, muito cobiçado por colecionadores. No ano seguinte, a Kombi ganhou outra série especial, de apenas 50 unidades, em decorrência das comemorações dos 50 anos de Brasil, com a famosa combinação de duas cores (vermelho e branco).
A Kombi, em seus últimos dias, não era mais popular entre as famílias, sequer contava com uma versão mais luxuosa e seu catálogo de fábrica atendia somente aos que a utilizavam para trabalho. Mas seguiu firme, inclusive como líder de mercado em seu segmento, possibilitando sua sobrevida até dezembro do ano passado, quando resoluções e leis impediram que o projeto mais antigo do mundo ainda em produção tivesse continuidade. Para marcar o encerramento, a Volkswagen lançou uma edição especial denominada "Last Edition - 56 anos", com produção inicial de 600 unidades, que logo ganhou mais 600 unidades devido ao grande número de interessados. Além disso, a montadora desenvolveu uma campanha de "deslançamento", culminando na festa de despedida realizada no início de dezembro de 2013, no pátio da própria Volkswagen, em São Bernardo do Campo/SP. Um final digno, com certeza.
Durante 56 anos, a Kombi provou que um ícone não aparece da noite para o dia, não pode ser efêmero, não pode viver de aparências e muito menos ser uma unanimidade entre os seus. Para ser um ícone de verdade, deve transpor fronteiras, agradar várias culturas, significar algo em qualquer canto do mundo, e gerar um apego entre os fãs que mantêm viva a memória através dos tempos.
A Kombi Como Objeto De Coleção
O Brasil possui muitos carros que são verdadeiras instituições em meio aos colecionadores. Modelos esportivos, populares, utilitários, importados, quase todos conseguem sobreviver por décadas nas mãos dessas pessoas que dedicam parte de suas vidas a cuidar e manter em pleno funcionamento seus automóveis, seja por um laço familiar ou por pura paixão mesmo. E a Kombi, de certa forma, sempre foi meio discriminada no meio antigomobilista, deixada muitas vezes em segundo plano quando se fala em “colecionáveis”, o que causava estranheza, já que é tão popular quanto um Fusca, por exemplo.
Essa injustiça foi reparada em 2007, ano do cinquentenário do início da produção da Kombi no Brasil, quando um grupos de apaixonados pelo modelo resolveu formar o primeiro clube do Brasil dedicado exclusivamente à Kombi: o Clube da Kombi de Curitiba. O grupo foi fundado oficialmente em agosto daquele ano, por dois colecionadores com muita história para contar, o tesoureiro Ronaldo Möbius e o presidente Dorival Piccoli Jr., proprietários de modelos quase idênticos (1968 e 1967, respectivamente). Com a ajuda de alguns amigos com o mesmo objetivo, colocaram em prática a ideia surgida num encontro de veículos antigos na capital paranaense.
Em pouco tempo o clube despertou o interesse de outros proprietários e, juntamente com a ascensão do culto aos veículos antigos naquela época, fez o CKC, como é conhecido em Curitiba, tornar-se um reduto dos proprietários para trocar experiências e informações a respeito da Kombi. Aos poucos, modelos que até então eram desconhecidos do público, foram aparecendo pela primeira vez nos muitos eventos e encontros em que o clube participou ou promoveu, como a primeira exposição de Kombis em um shopping de Curitiba em 2007 e o primeiro aniversário do CKC, comemorado em 2008 com uma inédita festa no interior de um dos maiores shoppings da capital paranaense, amplamente divulgado pela imprensa local e estadual.
Últimas unidades produzidas em São Bernardo do Campo/SP. |
A ponto de completar 7 anos de atividades, o CKC sustenta uma trajetória de seriedade e respeito, iniciando várias amizades nesse período, sendo reconhecido por outros importantes clubes da região e participando ativamente do antigomobilismo paranaense. Outros clubes que voltaram sua atenção à Kombi surgiram nos últimos anos, mas o primeiro sempre será o primeiro, e como Ronaldo costuma comentar, o CKC é um clube primeiramente formado por bons amigos, no qual cada sócio trouxe sua história, para compor, juntamente com seu veículo, um grupo unido e idôneo.
* Kombi & Cia.
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