domingo, 16 de maio de 2010

>>> HERÓIS DO PASSADO

Gurgel Carajás: com motor dianteiro, tração traseira e três opções de motores, ele não queria ser apenas um jipinho.
Os anos 80 começavam bem para a Gurgel. Além do sucesso de seu X-12, a fábrica começava a entrar em outros terrenos além do dos jipinhos, ainda que mantendo a mesma mecânica Volkswagen refrigerada a ar. Em 1981, com a inauguração da fábrica de Rio Claro (SP), além de estrearem o G800, que se somava ao X-15 no leque de utilitários da marca, era lançado o XEF, explicitamente urbano.


Em 1984, a Gurgel alçou um vôo ainda mais alto. Dessa vez, a ousadia ia um pouco além da montagem clássica de um boxer a ar na traseira de um chassi próprio. Era o primeiro Gurgel de motor dianteiro, usando as unidades refrigeradas a água da marca que sempre fornecera trens de força aos modelos anteriores. O nome Carajás era referência à serra paraense e aos índios da tribo localizada às margens do Araguaia.

Uma vez que deveria enfrentar subidas escorregadias e com bom grau de inclinação, a tração não podia ser dianteira como a de Gol, Passat e Santana. A alteração ficava ainda mais complicada pelo fato de as transmissões VW brasileiras serem do tipo transeixo, com o diferencial incorporado à carcaça. Onde o câmbio estivesse, lá deveria estar a tração.


Entrava em cena mais uma vez o espírito prático da Gurgel. A exemplo do que a Porsche fez no 924, mandou um câmbio VW para trás, com transmissão da força a cargo de um tubo de torque que, sem as juntas de um cardã, ficava mais protegido das intempéries por não possuir componentes mecânicos expostos girando. Com motor dianteiro e câmbio traseiro, também as massas entre os eixos eram mais bem distribuídas.

No Brasil, o Carajás foi o único com tal esquema mecânico, que permitia suspensão independente nas quatro rodas e, conseqüentemente, vão livre mais plano, sem um diferencial protuberante. A exemplo dos outros Gurgel, não contava com tração nas quatro rodas, mas dispunha do Seletraction, que permitia transferir toda a tração para apenas uma roda, travando-se a do lado oposto, uma ajuda nos pequenos atoleiros.


Além das versões com motor AP-1800 a gasolina e álcool, também existia uma versão diesel, usando o 1.6 que impulsionava a Kombi. Com baixo consumo, tinha autonomia de mais de 1500 quilômetros.

Visando público mais exigente que o do X-12, o Carajás vinha em duas versões de acabamento: básica e luxo, esta última com vidros verdes e melhores forrações. Também era marca registrada a ventilação de teto por meio de clarabóia, cujo ar captado podia ser dirigido individualmente a cada passageiro. Tal sistema era disponível na versão TR (Teto Rígido), gama de carrocerias completada pelas TL (Teto de Lona), RL (Rígido Lona) e MM (Modelo Militar).


Aproveitando ao máximo peças já existentes, muito do Carajás já havia sido visto em outros carros. Exemplo disso estava no painel, que combinava mostradores de Ford F-1000, Gol e Fiat 147. Para cada função, uma chave era necessária: nas portas, a dos caminhões Mercedes, no tanque, as da Fiat. Já o porta-malas era aberto com uma chave VW e, em um involuntário luxo, a partida ficava a cargo de uma do Landau.


Dois anos após seu lançamento, QUATRO RODAS testou as três motorizações de uma vez só, na edição 311, de junho de 1986. Elogios para espaço interno, porta-malas de 496 litros e sistema de ventilação. Também era alvo de bom conceito a disposição dos bancos, com o traseiro ligeiramente mais elevado que os dianteiros. Porém, a visibilidade frontal era apontada como ponto fraco, principalmente para motoristas com menos de 1,70 metro: afundados no banco, tinham à sua frente parte do estepe, montado sobre o capô à moda de alguns Land Rover.

Criticada também foi a solução para o tubo de torque, que simplesmente alongava o eixo-piloto da transmissão de Kombi, obrigando que os engates fossem mais lentos e aumentando a possibilidade de desgaste dos anéis sincronizadores. O conjunto, com o tempo, também se revelou frágil, uma vez que o torque de um AP-1800 é superior ao esforço que uma transmissão de VW refrigerado a ar poderia suportar.

De qualquer forma, isso não impediu a boa recepção àquele veículo que, apesar de aparentar grande porte, é 13 centímetros mais curto que um EcoSport. Mudanças foram poucas em sua carreira: em 1988, a tampa traseira deixava de ser em duas partes, à moda da Rural Willys, para ser em uma peça só e abrindo para cima. No mesmo ano, as versões eram renomeadas, passando para LE e VIP, esta última com vidros escuros de fábrica, mas como opcionais. Em 1989 também surgia uma versão de quatro portas, que, além de raras unidades para uso civil, teve alguma repercussão para uso policial, em alguns casos fechando-se a traseira para acomodar um camburão. A carreira dele acabaria se encerrando em 1994, com a falência da Gurgel. Porém, desde o começo dos anos 90, só podia ser adquirido por encomenda, em parte devido a impasses com a VW, cujas vendas de seu jipinho 181 no Caribe foram prejudicadas pela boa recepção do X-12 nas ilhas da salsa, do mambo e do zouk. Também a Gurgel passava a priorizar o BR-800, carro de menor porte e com motor próprio.

* André Fiori/Revista Quatro Rodas.

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