domingo, 20 de fevereiro de 2011

>>> HISTÓRIAS DE KOMBI

No auge da tecnologia a Kombi sobrevive nas mãos de apaixonados pelo modelo.
No auge da tecnologia sobre rodas, em que os veículos são cada vez mais potentes, macios e confortáveis, um “patinho feio” ainda insiste em fazer sucesso. Afinal, o que faz um carro tão rústico quanto a Kombi ser um sucesso de vendas no Brasil? No ano passado, a Kombi nacional completou meio século em plena linha de produção, o que faz dela o veículo mais antigo ainda em fabricação no País. Mesmo longe dos padrões aerodinâmicos mais recentes, a carroceria pão de fôrma com motor traseiro refrigerado a ar ainda vende, por mês, cerca de 1,5 mil unidades. Em Rio Preto, as concessionárias locais afirmam vender de quatro a cinco unidades por mês - fora o mercado de usados, muito forte para este tipo de veículo. Desde a sua criação, já foram feitas 1,2 milhão de Kombis no Brasil - único país a produzir o veículo preservando o seu formato original. “É um dos nossos maiores sucessos de vendas”, diz o diretor de marketing da Volkswagen, Paulo Kakinoff.

A explicação para estes números ele tem de imediato: a Kombi é o único carro que consegue transportar uma tonelada de carga com um preço tão baixo de mercado (uma zero quilômetro custa R$ 35,5 mil em Rio Preto) e com manutenção até cinco vezes menor do que suas concorrentes. O utilitário nasceu de um rabisco à toa numa das páginas da agenda do holandês Ben Pon, durante uma reunião na matriz da Volks na Alemanha, em 1947. Mas a idéia só foi posta em prática em março de 1950, quando começou a ser fabricado um furgão todo fechado com o nome de Type 2. Algum tempo depois, surgia a versão com janelas laterais e bancos para oito passageiros. Era o nascimento da Kombi, abreviação mais palatável do alemão Kombinationfahrzeug, ou veículo de uso combinado. No início, o carro era importado no Brasil pela Brasmotor, representante da Chrysler.


Somente em setembro de 1957, quatro anos após a instalação da filial brasileira da Volks, a Kombi começou a ser produzida no País. Foi nessa época que o carro foi utilizado como dormitório pelos candangos durante a construção de Brasília. A fama de veículo de trabalhador que sempre seguiu a Kombi no Brasil, entretanto, não teve correspondência no restante do mundo. Nos Estados Unidos, ela virou tranporte hippie nos anos 60, veículo familiar nos 70, até sair de linha em 1979. Na Europa, o carro foi mudando suas características até se tornar um veículo completamente diferente.

A Kombi brasileira é a única que ainda reproduz o design alemão produzido entre 67 e 79, embora tenha passado por duas modificações: em 75 e 97. Hoje, somente a África do Sul ainda produz Kombis, só que da geração três (Vanagon), enquanto os brasileiros ainda se contentam com a dois. Está comprovado, pois, que o cliente da Kombi não gosta muito de luxo. Em 97, a Volks lançou um modelo com acabamento superior (Carat), que foi um fracasso retumbante de vendas. “Nessa época, percebemos que o maior atrativo do veículo é sua rusticidade”, diz Kakinoff. O fato do veículo ser simples permite um uso variado. Na região de Rio Preto, a Kombi ainda é muito utilizada no transporte escolar e de trabalhadores rurais, nas feiras ambulantes, nos pontos de venda de cachorro quente. É esse público que, de acordo com o gerente de marketing, deve assegurar à Kombi um futuro promissor: “Enquanto a demanda ficar na casa dos milhares, a Volks brasileira vai continuar produzindo Kombis.”

Feiras livres são o paraíso das Kombis

As feiras livres são o paraíso das Kombis. Veículos de transporte de carga predileto dos feirantes, elas invadem a rua José de Alencar, na Vila Ercília, em Rio Preto, na última terça-feira por volta das 11h. É quando os feirantes carregam aquilo que não foi vendido e vão embora. São Kombis de todo o tipo: dos anos 70, 80 e 90, novas, com a pintura brilhando, ou velhas, com a lataria enferrujada e amassada. Enfileiradas, um festival de cores compõe o entorno das barracas: azul, branco, bege, marrom, amarelo, vermelho, verde. A do feirante Francisco Alves, 48 anos, tem carroceria, e é ideal para transportar os abacaxis da sua roça em Fronteira (MG) para as feiras de Rio Preto. “De manhã ela fica aqui parada na feira, descansando. À tarde, trabalha duro no sítio”, diz. A lataria bege está meio podre embaixo, mas Alves garante que o motor a diesel está novo. Há oito anos ele tem o utilitário, ano 82. “Não troco minha Kombi por nenhum outro veículo”, afirma o feirante, categórico.

Tanto Alves quanto os demais feirantes chegam cedo, às 4h30, 5h, para, até as 6h, as barracas já estarem prontas. A maioria dos feirantes também são sitiantes, e vendem seus produtos direto ao consumidor, sem intermediário. “Sai bem mais em conta”, afirma Carlos Nazaré Balestrieiro, 33 anos. Ele é sitiante em Ipiguá, e usa a Kombi ano 82 do sogro para carregar sua produção: tangerina, poncã, laranja. “É um veículo versátil, leve, e barato de mecânica”, diz. O motor da Kombi ano 80 de Vanderlei Batista, 42 anos, também está novinho, ainda na revisão. “A kombi é prática, fácil de estacionar, e econômica. E protege muito mais a verdura que eu vendo do que um caminhão”, afirma.

A mesma vantagem é citada por Gilberto Martins, 36 anos. “Não tem outro veículo que substitua. Caminhonete não dá. Na Kombi, você pode levar carga dentro e em cima”, afirma. Ele e seu sócio Alexandre Eurico Gonçalves, 26 anos, têm duas Kombis: uma azul claro, ano 75, e outra bege, ano 85. Ambos vão uma vez por semana de caminhão a São Paulo comprar uva, morango e melão para, de Kombi, levar até as feiras diárias de Rio Preto. Martins diz que trabalha em feira desde criança. O mesmo ocorre hoje com o seu filho. “Ele está treinando. Quando for maior, com certeza também vai usar a Kombi para vender na feira.” Como na propaganda da cerveja, a Kombi é o carro número um dos feirantes.

Raridade de 71 sai pouco para “passear”

As teias de aranha entre o chão e o pára-choque não mentem: raramente o presidente do Sindicato dos Bancários de São José do Rio Preto, Jurandir de Jesus Garcia, 50 anos, sai com sua Kombi ano 71 da garagem. O motivo é simples: com exceção dos pneus, todas as peças do carro são originais: a pintura azul diamante original (com os detalhes em branco), o banco de molas branco, o retrovisor redondo (ainda sem regulagem), o motor 1.5, produzido pela Volks alemã, que, garante o bancário, nunca deu defeito.

O próprio Garcia a comprou zero quilômetro, para transportar os peões da sua roça de café. Pagou Cr$ 16,5 mil, numa garagem de Rio Preto - ele ainda guarda a nota fiscal. Quando o café acabou, a Kombi ficou parada na sua chácara, entre Rio Preto e Bady Bassitt. Resultado: 32 anos depois, o carro só rodou 88 mil km. Só para levar sal para o gado. Mas neste ano, Garcia poupou ainda mais a sua Kombi: andou com ela somente uma vez. Comercialmente, a Kombi nem vale muito: não chega a R$ 1,2 mil. Mas, para Garcia, ela é um xodó sem preço. “Já recebi várias propostas de interessados, mas não vendo de jeito nenhum”, assegura.

* Allan de Abreu/Diário de São José do Rio Preto, Junho-2008.

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