Holandês dirige 20 mil quilômetros dos Estados Unidos à Bahia para tentar ver a Holanda na Copa
Por um breve momento, Mata de São João voltou ao passado. O Chevrolet ano 1955 de estilo hippie parecia uma máquina do tempo. Quando a porta se abriu, um gigante de uns dois metros, barba de 20 centímetros, rabo de cavalo, e roupas surradas, desceu fazendo o 'V' de vitória com a mão direita. Na esquerda, segurava uma réplica da taça da Copa do Mundo. Era o holandês Bernardo Oude Kamphuis, que saiu em janeiro deste ano de outro reduto riponga, São Francisco, na Califórnia, para disseminar a paz e o amor através do futebol.
Assim como o seu visual, a preferência de Bernardo em relação ao futebol parou nos anos 1970. A Laranja Mecânica de Cruyff, sensação na Copa de 1974, inspira a coletividade e a integração utópica dos diferentes credos e crenças proposta pelo holandês. De pé em pé no carrossel, a bola passa e não deixa ninguém de fora.
— Através do futebol, só uma mensagem é possível: um amor, um coração. Diga não ao racismo e celebre a igualde dos povos — profetizou o holandês.
Com um discurso que lembra as palavras de Bob Marley, entremeado por pinceladas psicodélicas da Califórnia sessentista de Janis Joplin, Jimi Hendrix e Jim Morrison, Bernardo, ao contrário dos ídolos da contracultura, quer viver mais que 27 anos, mas não revela idade. Para ele, o ser humano, assim como os grandes craques do futebol, são eternos.
— Cruyff é Deus na Holanda. Não ganhamos a Copa de 1974, e daí? Quem se lembra do campeão (Alemanha)? Seremos para sempre lembrados pelo futebol total — afirmou.
O tributo a Cruyff tem espaço na lataria de Nellie, como ele batizou o carro. Depois de 20 mil quilômetros rodados desde 15 de janeiro, Bernardo chegou à Bahia no início do mês, como previu, a tempo de comemorar seu aniversário. O presente?
— Queria um ingresso para assistir ao jogo Holanda x Espanha. Mas gastei todo o dinheiro alimentando a Nellie, que bebe muito bem — disse o holandês, usando a metáfora para explicar a quantia investida em gasolina:
— Perdi a conta.
O dinheiro perdeu a importância na vida do holandês quando ele começou a trabalhar com crianças deficientes em São Francisco. Ele chegou até a adotar uma criança, mas não a trouxe ao Brasil, porque não há espaço na minúscula cabine em formato de bola na caçamba do Chevrolet. Ele mesmo não entende como consegue dormir ali dentro, onde há um colchão, ventilador, dispensa para poucos, mas indispensáveis alimentos, e toda uma gama de badulaques, memorabilia, com destaque para uma flâmula retrô do Twente F.C., de Enschede, cidade onde nasceu.
Quando passa pela rua principal de Mata de São João, Bernardo toca a buzina e desce para cumprimentar e tirar fotos com quem pede. Ele garante não ser hippie, mas se interessou em conhecer a comunidade de Arembepe, a poucos quilômetros de Mata.
— Não posso impedir as pessoas de pensar. Se querem falar que eu sou hippie, que eu seja. Afinal, eles queriam paz e amor, e eu também — corta logo Bernardo, incomodado com um motorista que insiste em buzinar e perturbar a paz:
— Preciso ir para uma praia deserta e descansar. Preciso ficar um pouco comigo mesmo...
* Texto: Gian Amato/O Globo - Fotos: Vagner Magalhães/UOL.
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