quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

>>> MCDRIVER FELIZ...


A velha senhora, 61 anos e quatro meses depois

A Kombi é o único carro de tração traseira fabricado (em série) no Brasil. A característica já colocaria a velha senhora na lista dos modelos que um viciado (em carros) precisa dirigir antes de morrer. Mais: poucos engenheiros eletrônicos e nenhum decorador de interiores chegaram perto da perua nos últimos 50 anos e isso significa que não há braços invisíveis para controlar o volante quando o motorista erra uma tangência, ou para segurar a carroceria quando, além de errar a tangência, o motorista calcula mal a velocidade da curva. No cardápio técnico da Kombi não existe sopa de letrinhas. Só arroz e feijão.


A VW Kombi 2012 é essencialmente o mesmo veículo concebido no fim dos anos 1940 por um holandês com nome de coreano (Ben Pon). Tão genialmente simples e tão despojada que passa a impressão de que pode ser desmontada só com uma chave fixa e outra de fenda. O painel serve tão somente de suporte para o básico e sugere que, por trás da faixa de plástico rígido, existem apenas dois ou três fios. A coluna de direção fica exposta, a alavanca do freio de mão, uma vareta em forma de cabo de guarda-chuva, é parecida com a dos primeiros Porsche e a alavanca de câmbio é outra vareta de meio metro espetada na chapa. Os pedais de freio e de embreagem são pivotados (alguém falou em Porsche?).


Guiar de vez em quando um carro que chega a ser rude faz bem para o espírito. Deste modo, esclareço a minha escolha – e se, ainda assim, algum pentelho estiver pensando em entupir nossa caixa postal com a história que a Kombi é um veículo anacrônico, inseguro e inviável, apresento dois argumentos definitivos: 1- sou pregador da tecnologia e defensor ferrenho da segurança; 2- mas há muito tempo não me divertia tanto ao volante de um carro.


Todos se divertiram. Não duvido que o Deliberato tenha voltado para casa com a adrenalina vazando pelos poros depois de ter passado o dia dobrando curvas com o C63 AMG. Ou que, em algum momento, o Barata tenha entrado no cotovelo de asfalto com o pé embaixo (e com o coração na boca) com o Mini JCW. Mas garanto que nenhum deles conseguiu arranhar os limites desses carros – e não por falta de habilidade ao volante, mas porque uma entidade invisível e fantástica chamada eletrônica embarcada presente nesses, e na maioriados carros de hoje, estabelece as regras, com maior ou menor margem de tolerância.

NA MÃO

Ao ponto: eu consegui chegar muito perto do limite – e não porque me considero o mais habilidoso. Na Kombi, o que determina as regras são os culhões do motorista. Com 2,40m de altura e a 20 cm do solo, é um carro de alto centro de gravidade, sensível aos ventos laterais, mas surpreendentemente estável em curvas. Os pneus 185/80 R14 e o sistema de direção do tipo rosca sem fim (e sem assistência) não ajudam muito, mas as saídas de traseira podem ser corrigidas com pouco esforço. Aqui reside boa parte da diversão.
 
Sem carga (a Kombi pode levar até uma tonelada), o peso é concentrado na traseira, onde fica pendurado o motor 1.4 injetado que gera 80 cv com etanol. O quatro cilindros em linha, que substituiu o velho e bom boxer em 2006, equipava o Fox de exportação. E era a possibilidade mais em conta que a VW encontrou na prateleira para manter a perua viva até o fim de 2013 (em 2014 os carros terão de vir com airbag e ABS, itens que não cabem na Kombi): o 1.0 seria raquítico e o torque do 1.6 a água pulverizaria a antiga caixa de câmbio de quatro marchas.


A adaptação exigiu complexo sistema de escapamento e um radiador colado na cara da perua. Era a única possibilidade técnica, mas foi como pregar uma tira de fita isolante no nariz de uma bela ruiva: o remendo acabou com parte do charme da Kombi, aquela linha formando um V e que separava a combinação de cor saia-e-blusa. De resto, temos um carro praticamente igual ao que desembarcou por aqui em setembro de 1950 (e que passou a ser fabricado em São Bernardo do Campo em junho de 1957): uma Kombi de segunda geração. Como nos velhos tempos, os freios exigem sensibilidade, a troca de marchas, boa audição e as manobras, forçados braços. Existem poucas criaturas tão orgânicas nestes tempos modernos.

* Marcelo Cosentino/Car And Driver Brasil.

Um comentário:

edilson disse...

Kombi é uma inovação tecnologica sim. Afinal qual o carro com motor menor que 1.6 que tranporta 1 tonelada. Atualmente, só a kombi.