sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

>>> OLHA A BANANA...

Artista mineiro "terceiro-mundializa" Miami com Kombi e bananas. Paulo Nazareth chama a atenção da crítica e do público, durante a Art Basel.

Quando Paulo Nazareth recebeu a notícia de que iria mostrar um trabalho seu na Art Basel de Miami, uma das maiores feiras de arte contemporânea do mundo, ele disse para si mesmo: "Não posso chegar aos Estados Unidos sem passar pela América Latina". E se negou a ir de avião. "Não podia pegar um avião no Brasil e descer em Nova York como se não existisse nada entre um ponto e outro", justificou Paulo por telefone, de San Diego, na Califórnia, para onde seguiu depois da feira, cruzando de ônibus o país, de leste a oeste.

Como a ideia era chegar aos Estados Unidos "impregnado" de América Latina, além da resolução de cruzar o continente por terra, ele decidiu também não lavar os pés durante todo o percurso. "Encontrei o João Castilho, o Pedro Motta e o Pedro Davi (fotógrafos também mineiros) no México, e eles são testemunhas disso", comentou, acrescentando: "Eu não considero sujeira, mas terra da América Latina". Paulo só foi lavar os pés no rio Hudson, que banha a ilha de Manhattan, em Nova York, no dia 28 de outubro, seis meses e quinze dias depois de iniciada a jornada.


Desde sua partida do Palmital, em Santa Luzia, onde vive e mantém uma banca na feirinha local, vendendo trabalhos entre gravuras e textos, o artista já rodou dezenas de milhares de quilômetros, passando por cidades de Minas - incluindo Governador Valadares, onde nasceu em 1977, e ouviu muitas histórias sobre a "América" e o México -, rumando ao Sul do Brasil e depois subindo pelos países da América Central até chegar aos EUA. Quando chegou à Art Basel, Paulo Nazareth se surpreendeu com a dimensão da feira. "Não sabia da importância. Para mim, era uma feirinha igual à do Palmital". E sua obra, apresentada pela galeria paulista Mendes Woods, acabou chamando muita atenção, sendo inclusive citada numa crítica do "The New York Times" como o único trabalho realmente original na exposição Art Positions, dedicada aos artistas emergentes. A instalação, intitulada "Mercado de Artes/Mercado de Bananas", conjuga-se com uma linguagem de performance e se constitui de uma Kombi 78, verde, carregada por uma tonelada de bananas, que eram vendidas por Paulo a US$ 10, e cuja cor amarela, junto ao verde, criava um belo aspecto visual. Além disso, com as bananas amadurecendo, o cheiro delas flutuava pelo ambiente, expandindo também o aspecto sensorial. "As bananas atraíam mosquito e gente. Era a única obra que tinha cheiro lá", disse Paulo.


Diante da banca, preparado para receber a "freguesia", o artista expunha cartazes com dizeres do tipo: "Vendo minha imagem de homem exótico". "Eu vendia banana e a minha cara. Aí eu falava: ‘Tem duas coisas muito baratas nessa feira, a banana, a US$ 10, e a minha foto, que eu vendia a US$ 1’. E estavam mais baratas que o café da feira, que nem era arte e estava sendo vendido a US$ 15", disse Paulo. "Se estava indo para uma feira de arte, então era para vender. Aí eu disse: ‘É venda, então é venda’. Vamos assumir. E a Kombi é como se fosse a feira numa pequena escala. O trabalho é dentro de um lugar, e eu falo desse lugar em que eu estou".

Como bom e experiente vendedor, Paulo recebia quem se aproximava de sua instalação com um repertório enorme de histórias, vivenciadas ao longo de sua jornada pelo continente americano. É aí, no caráter performático de sua obra, que as inusitadas opções de viagem do artista ganham sentido dentro do contexto de sua estética - não se tratava de mero papo de vendedor, mas de "notícias", como ele diz, sobre experiências que diziam respeito à cultura, à política e a muito da realidade do continente americano.


Notícias, muitas vezes, trazidas de rincões sobre os quais ninguém naquele lugar teria algo a dizer. "Virei um ponto de referência. Era um espaço animado. Era a América Latina. O pessoal chegava, eu contava causos e as pessoas ouviam. Por isso, ela (Karen Rosemberg, a crítica do ‘NY Times’) falou que era um ‘espaço de pequenos espetáculos’. E eram espetáculos mesmo - de camelô. Tipo esses caras que ficam na praça da rodoviária dizendo que vão meter a mão na caixa cheia de cobras. Então, é a performance e a venda, e eu tenho que contar causos para vender.

* Douglas Resende/Jornal O Tempo.

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