domingo, 10 de março de 2013

>>> KOMBI EM FAMÍLIA


A família que cabe numa Kombi: Há três anos, Jason Rehm, a mulher e o filho se viram em 7m² e têm o mundo como quintal.

Antes de apagar as quatro velinhas do bolo, o filho fez o pedido: “Queria passar mais tempo com meu pai”... E o que poderia virar tema de um livro de auto-ajuda bem piegas se tornou uma aventura internacional. Jason Rehm é o pai que vivia ocupado com o trabalho, hipertenso e em crise de meia idade. Angela, a mãe com cabeça aberta, companheira de muito tempo. E Bode (o nome é esse mesmo) é o garoto que inspirou toda essa história ao ter seu desejo atendido.
 

Em agosto de 2009 eles largaram uma rotina com os tradicionais confortos da vida moderna na cidade de Alameda, na Califórnia, para se dedicar a uma viagem de 12 meses a bordo de uma Kombi fabricada em 1971. Mas eis que, três anos e meio após a partida, a família continua na estrada.

Devagar e Sempre

Saíram dos EUA, subiram para o Canadá e, depois, desceram pelo México. Daí tomaram — lentamente, claro — o rumo da América do Sul. Há algumas semanas chegaram ao Rio para passar uns dias. Onde vão parar? Nem eles sabem...
 
 
" Quando completamos o ano previsto inicialmente, estávamos na Costa Rica. Na dúvida sobre o que fazer, resolvemos continuar" — conta Jason, um engenheiro com especialização em foguetes. O mais difícil foi tomar a decisão de desatar os laços com a rotina e partir. Como o menino só entraria na escola no ano seguinte, pareceu o momento certo. "Há muita gente que espera a aposentadoria para viajar. Mas, aos 65 anos, a disposição já não é mais a mesma", pondera o aventureiro.
 
Entre a ideia inicial e a ida para a estrada, passou-se um ano. "O primeiro passo foi avisar a todo mundo que iríamos sair em uma longa viagem. Assim não haveria como voltar atrás" — explica Angela. Os amigos deram força e ajudaram no que puderam, mas os pais do casal acharam que era loucura. Depois, chegou a hora de pedir demissão. O chefe não aceitou e propôs um acordo: Jason passaria a ser uma espécie de consultor online, fazendo seu trabalho no computador e enviando de onde estivesse. É a situação perfeita, já que permite à família viajar com independência econômica, sem depender de patrocinadores.
 
 
No ano de preparação, a Kombi Westfalia (modelo alemão com teto móvel e equipada para camping) foi inteiramente restaurada. Todos os bens que o casal tinha foram vendidos ou doados. E, assim, a família fugiu da armadilha do “american way of life”: trabalhar cada vez mais para acumular bens. "Tudo o que temos hoje está dentro do carro e não sentimos falta de nada do que possuíamos antes" — jura Jason.
 
 
Bermuda, vestidinho de alça, sandálias de dedo... No estilo de vestir, Jason e Angela estão mais para um casal de classe média carioca do que para hippies clássicos. A vida deles também é quase normal e inclui rotinas como acordar, trabalhar, dirigir, cozinhar. A diferença é que, a cada fim de tarde eles têm que buscar um local para estacionar (geralmente um camping ou uma praia). O quintal é o mundo.

Carro Que Abre Portas

Jason é fanático por velhos Volkswagen. Sempre teve Fusca e dirigia um Karmann-Ghia antes de embarcar na Kombi: "Quando há algum problema iminente, esses carros dão sinais bem óbvios e eu já sei o que está errado" — diz. Nesses 80 mil quilômetros, foram consumidos 16 amortecedores e o motor teve que ser retificado uma vez. Há constantes probleminhas, mas Jason consegue consertar tudo.
 
 
Um dia, no meio do Salar de Uyuni, nos cafundós da Bolívia, a familia acordou e se viu no meio de um lago de água salgada. A fiação entrou em curto, mas os conhecimentos do motorista foram suficientes para desenguiçar o carro. "Há um monte de gente viajando em motor homes enormes ou utilitários a diesel, como as Toyota Hilux. São veículos ótimos. A diferença é que a Kombi chama a atenção por onde passa, abrindo sorrisos e portas" — afirma o viajante.
 
Outras vantagens do pão de fôrma da Volks são a mecânica simples, a abundância de peças pela América do Sul e a valentia ao enfrentar buracos na Nicarágua ou estradas de rípio na Patagônia.

Do Abandono à Glória

A casa rodante dos Rehm já foi um carro abandonado. Rebocado pela polícia da cidade californiana de Oakland (vizinha a Alameda), passou nove meses no depósito sem que alguém o reclamasse. Na falta de um dono, o veículo foi leiloado. Saiu por US$ 800, estava um caco, mas tinha potencial: toda a mobília original da Westfalia estava no lugar.
 
 
Na desmontagem para a restauração, foram descobertas sementes de maconha. "Imagino que essa Kombi era usada para vender drogas" — diverte-se Jason. Depois, lanternagem completa, pintura, nova tenda e um motor 1.600 de dupla carburação zero-quilômetro. Assim, a casinha se tornou confiável para qualquer viagem.
 
 
Quase todos os equipamentos da Kombi ainda são os mesmos que saíram da fábrica de carrocerias Westfalia em 1971 (por coincidência, o ano de nascimento de Jason e Angela). A mobília básica nos 7m² do interior inclui uma cama de casal que vira banco e uma pequena cozinha. Os únicos itens acrescentados foram uma cama para Bode, no teto da Kombi, e uma geladeira Engel elétrica (a original tinha que ser carregada com gelo). Sobre a capota, duas placas solares ajudam a alimentar tanto a geladeira quanto o computador. Banheiro? Só em áreas de camping ou postos de gasolina.
 
Uma curiosidade: até na cor a Westfalia da família californiana é idêntica à que pertenceu ao escritor argentino Julio Cortázar e sua companheira Carol Dunlop. Batizada de “Fafner, o dragão”, a Kombi levou o casal de beletristas em uma viagem pela França e virou personagem do livro “Os autonautas da cosmopista”, de 1982.
 
 
Se, antes, os parentes de Jason e Angela estavam preocupados, três anos depois todos apoiam a ideia. A mãe da viajante, por exemplo, pegou um avião e veio ao Rio encontrar o neto. Um blog permite que as pessoas queridas saibam por onde anda o casal. "No começo, se esforçaram para pôr medo na gente, mas o que conhecemos do México até aqui foram povos abertos e receptivos, além de lugares lindos" — lembra Angela. Na lista de melhores paradas, os aventureiros citam Zorritos (Peru), Sucre (Bolívia) e Torres del Paine (Chile).
 
Bode ama essa vida em que cada dia é uma aventura. Em vez de sala de aula, o menino aprende in loco: já visitou as ruínas de Machu Picchu, viu a fauna das Ilhas Galápagos e da Patagônia, aprendeu espanhol em dois anos pela América Latina e agora já arranha o português. Angela faz as vezes de professora e baixa livros escolares pelo computador. "A principal lição é de que exite um mundo fora dos Estados Unidos" — diz o pai.
 
 
Mas um garoto de oito anos não sente falta de amigos? "Ele é muito social e acaba fazendo amizades por onde passa" — afirma a mãe. Jason dirige a maior parte do tempo, mas Angela também pega o volante. Vão sem pressa, a 80km/h. Levam um mapa todo rabiscado com os possíveis destinos, mas nada é 100% planejado. Pode ser que, numa decisão de momento, passem alguns dias em uma cidade não prevista em qualquer guia.
 
Daqui, a família sabe apenas que tomará o rumo Norte (até Belém, de preferência pelo litoral) e que tem que sair do Brasil dentro de três meses, quando vencem os vistos de permanência. Depois, tentarão embarcar a Kombi em um navio “para a Europa, a Ásia ou a África”. Vago assim... Até quando vai esta viagem? "Continuaremos enquanto todo mundo estiver feliz" — prevê Jason.

* Jason Vogel/Jornal O Globo.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito legal essa matéria, tenho uma kombi ano 90 e estamos em processo de reforma da mesma, pretendo viajar muito com ela e minha familia, ler hstorias assim me motivam ainda mais.
Parabens pelo Blog