segunda-feira, 21 de outubro de 2013

>>> EXPERIÊNCIA INUSITADA


Citroën Méhari: Quando o básico já parece exagero

O jipinho amarelo parado na porta do hotel era um convite irresistível. Não é a toda hora que se consegue assumir o volante do Citroën Méhari — um dos veículos mais simples da História. Fabricado na França entre 1968 e 1988, o Méhari tinha como base mecânica o Citroën 2CV. Era o mesmo motor boxer de dois cilindros refrigerado a ar e modestos 602cm³, além da genial suspensão: em cada lateral do chassi há uma grande mola deitada, que é ligada a dois braços: um para a roda da frente, outro para a de trás.
 
 
A proposta do Méhari era ser ainda mais "pelado" e, ao mesmo tempo, vencer trilhas e transportar cargas volumosas. Assim, sobre a plataforma do 2CV, era posta uma gaiola de treliças de metal vestida por uma carroceria de plástico ABS, moldado em alta temperatura. Além de levíssimo, o material já saía na cor desejada, dispensando a pintura. O Méhari que vou dirigir, contudo, é da versão produzida na Argentina de 1971 a 1980. A diferença em relação ao francês é que sua carroceria (importada do Uruguai) era de fibra de vidro, e não de ABS.
 

Pablo Delis, que trabalha na Slowkar, locadora de velhos 2CV em Mendoza, me passa a chave da ignição. As portas (de lona) são opcionais dispensados pela maioria dos motoristas de Méhari. Entro no jipe e vem a impressão de que falta algo. A aparência é mais de pedalinho do que de automóvel. O miolo da carroceria é uma peça só, de fibra, englobando painel, assoalho e as laterais internas do compartimento de passageiros. Como no Citroën Ami (também dos anos 60), o volante tem apenas um raio que, por sua vez, é parte da própria coluna de direção. Os bancos são rentes ao chão. Com um farfalhar nervoso, entre Fusca e motocicleta, o motorzinho girador pede ação.
 
 
A alavanca de câmbio sai de baixo do painel, como um cabo de guarda-chuva. A posição das marchas é diferente, mas o acionamento é leve e natural: primeira, torce para esquerda e puxa para trás; segunda, destorce e empurra; terceira, puxa direto; e quarta, torce para a direita e empurra.
 
 
E lá vamos contra o vento num fim de tarde a 14°C. Ao sair de Méhari numa temperatura dessas, trate de se abrigar. Não é o nosso caso, mas a vontade de dirigir supera o frio.
A original suspensão horizontal é mais macia do que em qualquer carro moderno. A impressão é de que se está flutuando e, ao mesmo tempo, pode-se entrar a qualquer velocidade na curva (sabe aquela história de que é impossível capotar um Citroën 2CV?).
Outras vantagens são o vão livre e o incrível curso de suspensão. Somado à leveza, isso praticamente dispensa a necessidade de 4x4. Alguns Mehári franceses, porém, saíram com tração nas quatro rodas.
 
 
Na estrada, dá para manter 90km/h meio que lutando contra o vento. Para quem está acostumado a padrões de segurança modernos, fica o grilo de ver caminhões passando rente à carroceria sem portas. Mas o Méhari é um otimista alegre e sem ostentação, tanto que virou um símbolo hippie na França e na Argentina. Se é confiável? Recentemente, uma família uruguaia rodou o mundo em um jipe assim.
 
 
Nesses tempos em que utilitários esportivos pesam duas toneladas, rendem mais de 300cv, conectam-se ao mundo pela internet e até estacionam sozinhos, uma volta ao básico é educativo e ajuda a refletir. Já houve no mundo carros simples, originais, econômicos e muito eficientes. Como o Méhari.

* Jason Vogel/Caderno Carro Etc.

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