domingo, 23 de outubro de 2016

>>> 'CURTINHAS'


Shorty Bus: Afinal, por que tanta
gente gosta de encurtar a Kombi?

Feita sobre a plataforma do Fusca e compartilhando seu entre-eixos com ele, a VW Kombi foi uma maneira e transformar o “carro do povo” em um utilitário – no sentido original da palavra, nada a ver com os SUVs. Colocando a primeira fileira de bancos sobre o eixo dianteiro e adotando uma carroceria em forma de caixa, a Kombi conseguiu maximizar o espaço para passageiros ou carga sem grandes alterações no comprimento do carro. Fica ainda mais impressionante quando lembramos que, se o Fusca só leva quatro pessoas, uma Kombi pode acomodar até 15 (isto quando não dão um jeito de espremer mais).



Então por que é que tanta gente decide cortar boa parte da carroceria da Kombi para deixá-la muito mais curta que a original? Algo nos diz que tem a ver com o visual de desenho animado. E fica mesmo bem simpático, não é?


Costuma-se chamar este tipo de Kombi de Shorty Bus, sendo que shorty é uma corruptela de short (curto), algo como “curtinha”, e Bus é um do vários apelidos que a van da Volkswagen tem pelo mundo. Este exemplar azul claro ficou famoso por ter sido restaurado pelos caras da Gas Monkey Garage, oficina americana que é o cenário do programa Fast N’ Loud/Dupla do Barulho, do Discovery Channel. Richard Rawling e Aaron Kaufman encontraram a Kombi já encurtada e decidiram restaurá-la, e a história foi contada em um episódio de 2014.


Os caras descobriram que a Kombi foi fabricada em 1966 e encurtada vinte anos depois, em 1986. Ela não estava em boas condições. Aparentemente, ainda era um projeto em andamento: dava para ver onde a carroceria havia sido cortada e emendada, e uma camada de ferrugem percorria toda a emenda entre as duas metades. A traseira estava amassada do lado esquerdo, a pintura estava péssima e intercalada com partes da lata nua e remendos feitos com massa. Kaufman adorou o brinquedo e, ainda que a dupla jamais tivesse feito uma Kombi, decidiu que a “Velha Senhorinha” seria seu próximo projeto.


O fato de ser um carro customizado torna o processo de restauração de um carro antigo ainda mais desafiador. É preciso levar em consideração não apenas o estado geral do carro, mas também o nível das modificações realizadas. Sem conhecer o responsável, fica difícil saber a qualidade do trabalho que foi feito. É uma caixinha de surpresas – no caso desta Kombi, literalmente.


A Shorty da Gas Monkey Garage já foi leiloada duas vezes: em 2014, quando foi arrematada por US$ 38,5 mil (cerca de R$ 122 mil, em conversão direta); e no último fim de semana, durante um leilão em Las Vegas, por US$ 33 mil (R$ 105 mil).


Os caras recuperaram toda a carroceria e refizeram a pintura em dois tons branca e azul bebê. O motor agora é um flat-four de dois litros “muito mais potente”, embora nada mais seja dito a respeito. O interior, que só acomoda duas pessoas (mais uma boa quantidade de bagagem na parte em cima do motor), foi restaurado pela Wolfsburg West, importadora americana especializada em componentes originais para os VW a ar da Alemanha, do México e do Brasil – os três países onde a maioria deles foi fabricada.


Aliás, a Wolfsburg West é uma das empresas que começaram a vir para o Brasil a procura de exemplares da Kombi para exportação, visto que elas são bem mais numerosas aqui do que nos EUA ou mesmo na Alemanha – especialmente a primeira versão, conhecida como “corujinha”. Os entusiastas lá fora estão dispostos a pagar uma boa quantia por elas.

Cultura Shorty

Segundo consta, as Kombi encurtadas surgiram na cena aircooled californiana da década de 1960. Os Volkswagen com motor refrigerado a ar já haviam há tempos se desvencilhado da imagem de carro do povo do Terceiro Reich e sido adotados, nos EUA, pelos hippies e surfistas. A imagem clichê de um Fusca ou de uma Kombi com pintura psicodélica, tralhas de acampamento e um casal de jovens transbordando paz e amor era bem comum há cinquenta anos.


A Califórnia, na costa oeste dos EUA, foi sem dúvida um dos pólos culturais americanos mais fortes do século passado. Foi de lá que veio a cultura surfer e skater e também foi lá que, na década de 1930, nasceram os hot rods. Como os Volkswagen a ar estavam por toda a parte, não demorou para que os hot rodders colocassem as mãos neles, que eram numerosos e baratos – especialmente se já estivessem precisando mesmo de uma boa reforma.


No caso do Fusca, retirar os para-lamas, instalar pneus maiores, rebaixar o teto (ou arrancá-lo de vez) era mandatório. No caso da Kombi, alguém teve a ideia de remover toda a seção central, onde fica a terceira porta, reduzindo em cerca de 1,2 m o entre-eixos da perua. Ainda que a mudança no visual e no tamanho seja drástica, não é um procedimento tão complexo. Como o conjunto mecânico fica todo na traseira, a comunicação entre os extremos do carro se resume às linhas de freio, varetas do câmbio e cabos do acelerador e freio de mão, de adaptação relativamente simples. Não duvidamos que, em alguns casos, encurtar a Kombi fosse uma solução prática para uma estrutura danificada demais pela corrosão – ainda mais nas cidades litorâneas da Califórnia.


Mas uma redução no entre-eixos trazia consequências óbvias no modo de dirigir, pois a transferência longitudinal de peso em arrancadas e frenagens é muito maior. Para alguns, empinar de traseira é exatamente o objetivo. No entanto, é preciso ir com cautela quando a ideia é apenas ter uma Kombi diferente para uso diário. Além disso, a combinação de entre-eixos curto, peso concentrado na traseira e centro de gravidade alto torna as “Kombinhas” muito suscetíveis a ventos laterais, e talvez até mesmo difíceis de manter em linha reta em alta velocidade – portanto é preciso ter atenção redobrada em estradas.


É claro que nada disso impediu que a Shorty Bus ficasse bastante popular, e não apenas entre os hot rodders. Foi uma subcultura regional bem forte na Califónia e estados vizinhos até o fim da década de 1970.

* Dalmo Hernandes/Portal FlatOut!.

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