segunda-feira, 6 de março de 2017

>>> LEMBRANÇAS...


Aula em matéria de aproveitamento de espaço

A Kombi já rodava pelo Brasil há 11 anos quando teve seu primeiro teste publicado na imprensa nacional, em 1961. Foi, mais uma vez, um texto da lavra de Mauro Salles, redator automobilístico do GLOBO e pioneiro das reportagens do gênero no país.


À época, a Kombi já era bem conhecida por aqui: o primeiro lote importado chegara ao porto de Santos em setembro de 1950 — apenas seis meses após o lançamento do modelo na Alemanha. A fabricação em São Bernardo do Campo começou em 1957 e o versátil “pão de fôrma” da Volks logo conquistou papéis importantes em episódios como a construção de Brasília.

Na páginas do GLOBO, Salles pôde analisar o modelo em detalhes, após rodar por 1.500 quilômetros: “A Kombi foi testada de todas as formas. Rodamos com ela vazia e com toda a carga. Enfrentamos um lamaçal considerável com 300 quilos nos bancos, e não tivemos problemas. A sua altura livre do solo e a eficiência de sua tração chegaram a encabular o lameiro, que já derrotara antes um caminhão e alguns automóveis americanos. Em um fim-de-semana no sítio, arrumamos dez passageiros nos seus três bancos e somamos o peso da carga. Eram quase 800 kg com os quais a Kombi teve que subir duas ladeiras brabas e rodar por uma hora. O motorista cansou de passar marchas mas o motor nem pareceu sentir o esforço”.

Nas medições de desempenho, o jornalista conseguiu chegar “repetidamente” aos 95km/h — mais do que a máxima de 90km/h informada pela Volks. Vale lembrar que, em 1961, a Kombi ainda vinha com o motorzinho 1200 (eram 1.192cm³, para ser exato). “No que toca à aceleração, o carrinho, mesmo sem carga, é bastante fraco. Ninguém esperava outra coisa. Um motor de 36 H.P. que pode transportar 800 kg de carga em um veículo de menos de uma tonelada tem que estar acoplado a uma caixa de marchas reduzida”, ponderou Salles. O consumo ficou em 11,8 km/l na estrada (sem carga) e 8,7 km/l no tráfego urbano.

A postura na cabine avançada da van com motor traseiro ainda era vista como algo exótico: “O motorista e os passageiros da frente ficam sentados com ares de quem tripula um ônibus.” E o jornalista alertava para a sensação de insegurança: “Os que sentam no primeiro banco, sem a proteção extra de um motor ou de uma mala entre o pára-choques e o passageiro, certamente estranharão um pouco. Mas, para quem dirige com juízo, isso não chega a ser um grande handicap (n. do e.: qualquer desvantagem que torna mais difícil o sucesso)”.

Entre os pontos positivos, Salles listou “a aula em matéria de aproveitamento de espaço”, a visibilidade para a frente, o tamanho das portas de acesso aos bancos traseiros e a iluminação interna “de primeira”. No rol dos “contras”, um comentário curioso: “Não entendemos como a fábrica entrega o carro sem o pára-choques reforçado. Mais de 90% dos proprietários são obrigados a fazer o que deveria ter sido feito em São Bernardo”. A Kombi que ilustrava a página do teste, aliás, já estava com uma proteção aftermarket!

Outro ponto criticado no texto foi a parca visibilidade traseira: “(...) aberturas feitas nos cantos mortos de trás melhorariam bastante a situação”. A falta de um degrau para entrar, os vidros laterais de correr (que não deslizavam com facilidade) e a pequena área varrida pelos limpadores de para-brisa também foram criticados.

Fato é que, rapidamente, a fábrica pôs para-choques mais parrudos e as tais janelinhas traseiras extras — e a Kombi fez sucesso por décadas. Só foi aposentada em 2013, e mesmo assim por força da lei que passou a exigir airbags e ABS de série em todos os carros nacionais.

* Jason Vogel/O Globo.

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